terça-feira, 29 de outubro de 2013

CRISTÃO, UM EDIFÍCIO INACABADO (1Pedro 2.1-5)



O que você quer ser quando crescer? Quem nunca ouviu esta pergunta?! Quando criança, sempre trazíamos na ponta da língua a resposta a ela. É certo que quase sempre mudávamos de resposta, mas esta “incerteza” era própria da idade. O bom de tudo isso, é que sonhávamos, imaginávamos e criávamos uma realidade atrás da qual desejávamos seguir. Enquanto houvesse um alvo, teríamos prazer e motivação para seguir. Enquanto houvesse um certo grau de insatisfação, teríamos um desejo a nos impulsionar pra frente. E assim, a vida ia seguindo o seu curso natural. Contudo, muitas pessoas já não tem um alvo a atingir, já não tem um objetivo a conquistar. Quando a vida chega neste nível, perde-se o prazer e sem prazer a vida se transforma num fardo pesado de se carregar. Quantos estão vivendo sem saber o que buscar?! Quantos vivem sem saber o que querem?! Têm sido levados pela correnteza do desânimo. Perderam o prazer de viver. Vivem porque não há outra coisa a ser feita. É triste ver tanta gente boa, cheia de talento, sem nenhuma perspectiva. Gente que parou de progredir, que estagnou. Gente que vê os seus relacionamentos, sua vida profissional, suas emoções e seus sonhos estacionados. Gente que se acomodou, que perdeu a curiosidade, que tem medo de ousar.

O apóstolo Pedro escreveu a sua carta a pessoas que estavam passando por perseguições. Gente que tinha como opção de vida abandonar o cristianismo. Eles poderiam pensar que a melhor escolha era deixar pra trás um sonho, deixar pra trás um objetivo, pois seguir na direção deste alvo colocava em risco as suas vidas. Por isso, Pedro os anima a contrariar esta lógica, a não abandonar o sonho. Ele relembra que era preciso continuar progredindo no relacionamento com Cristo. Parar a caminhada era perder a perspectiva do crescimento, do amadurecimento. Parar de perseguir o alvo implicaria em perder o prazer da vida. A despeito das circunstâncias desfavoráveis, eles deveriam continuar, persistir, insistir, não desanimar. Se aqueles irmãos se acomodassem à situação e parassem de prosseguir, iriam conservar a vida, mas perderiam o prazer de viver.

Se eles parassem de perseguir o alvo, conservariam a vida, mas perderiam uma eternidade de prazeres. Viver sem prazer, não é viver, é vegetar! A nossa vida é um edifício inacabado. Nós nunca estamos totalmente prontos. Nesta vida, a obra não é concluída. Quando nos damos por satisfeitos ou nos acomodamos com o momento presente, deixamos de experimentar coisas novas. Paulo disse que fomos chamados para andarmos em novidade de vida (Rm 6.4). O cristão está sempre se reformando.

Como você deseja estar daqui a cinco anos? Qual o seu nível de relacionamento com Deus quando este dia chegar? O que você deseja ter conquistado daqui a dez anos? Qual a sua meta de vida? Precisamos ter as respostas a estas perguntas na ponta da língua. Não fomos chamados para a mediocridade. Fomos chamados para o crescimento. Todo organismo vivo saudável amadurece. Se olhamos para nós mesmos e percebemos que paramos de crescer, é porque há algo errado. Este texto é um chamado a uma auto-avaliação e, consequentemente, um estímulo à retomada do crescimento. Ele nos dá algumas lições que nos ajudarão a retomar a maturidade:

1. QUEM QUER AMADURECER NÃO ACUMULA ENTULHO NA PRÓPRIA VIDA –“Despojando-vos, portanto, de toda maldade e dolo, de hipocrisias e inveja e de toda sorte de maledicências” (1). Despojar é despir, limpar, retirar todo peso inútil das nossas vidas. Não podemos carregar fardos inúteis que só trazem peso e tornam a caminhada ainda mais difícil. A caminhada cristã é um processo progressivo que consiste em aliviar-se de fardos pesados e avançar na direção de um alvo (Fp 3.13,14). Há muita gente com a vida estagnada por carregar tanto peso morto dentro dos corações (pecado, traumas passados, medos, palavras, etc.) Se agarram com tanta força a estas coisas que não tem força para buscar o que é útil e o que edifica.

2. QUEM QUER AMADURECER ENCONTRA O ALIMENTO CERTO NO LUGAR CERTO – “Desejai ardentemente, como crianças recém-nascida, o genuíno leite espiritual, para que, por ele, vos seja dado crescimento para salvação” (2). O leite é o alimento certo para um recém-nascido. O leito é compatível com as necessidades próprias daquela idade. Qual a sua necessidade? A palavra de Deus, pela iluminação do Espírito Santo, tem o alimento certo para as nossas necessidades. Ela é fonte de crescimento integral para o homem. À medida que vamo-nos alimentando, o alimento vai-se tronando mais sólido. Esse é um processo natural. O problema surge quando o tempo passa e continuamos nos alimentando apenas de leite. Passamos a não mais nos alimentar do alimento compatível às nossas necessidades (Hb 5.12-14). Deus nos deu uma bela capacidade intelectual, mas deixamos de exercitá-la. A fé vem pelo ouvir a palavra de Deus. Não há maturidade desprovida de conhecimento. Quando nos alimentamos corretamente do Senhor a vida é gerada continuamente em nós.

3. QUEM QUER AMADURECER BUSCA PERSISTENTEMENTE ALCANÇAR O ALVO – “Desejai ardentemente [...], chegando-vos a ele [...] a fim de oferecerdes sacrifícios agradáveis e Deus por intermédio de Jesus Cristo (2,4,5). Há um movimento persistente em direção a algo. Pedro diz que é preciso desejar com todas as forças e se aproximar do objetivo, que é um relacionamento maduro com Deus. É preciso persistir neste progresso porque haverá no percurso inúmeros momentos de desânimo. Momentos nos quais o ardor se esfriará. Momentos em que não haverá prazer. Nesta hora olhamos pra frente, avistamos o alvo e corremos (Hb 12.1,2). Muitas pessoas estão andando em círculo porque perderam o norte. Estão sem rumo. Não tem mais alvo a atingir. Perderam o estímulo. É preciso saber onde se quer chegar. É preciso ter o alvo certo e persistir na sua direção.

Quando jogamos fora peso inútil, nos alimentamos bem e corremos atrás do alvo custe o que custar, jamais perdemos o prazer pela vida. Jamais deixamos de amadurecer. Nós precisamosprecisa ajustar o foco. Precisamos avaliar estas três situações para retomar o crescimento. Só assim a vida tronará ter um propósito que faz arder o nosso coração e nos impulsiona pra frente.

domingo, 20 de outubro de 2013

MUTUALIDADE, UMA LIÇÃO DE PERDA E GANHO (Atos 2.44-46)



A igreja é uma instituição divina, porque tem como idealizador o próprio Deus. O modelo para o que chamamos de igreja cristã foi a nação de Israel. Nela, foram estabelecidos os princípios que norteariam as relações entre um grupo de pessoas e Deus, e entre as próprias pessoas dentro deste grupo. Até então quando se falava em culto, ou seja, na adoração a Deus, este culto era familiar. O pai era uma espécie de sacerdote. Com a formação da nação de Israel a relação homem-Deus ganha um caráter coletivo. Daí, Deus, através da Lei Mosaica, institui a religião judaica. Antes a religião era familiar, agora ela se torna coletiva. Era uma religião privada, agora passa a ser uma religião pública. Foi neste modelo de vivência coletiva da fé que Jesus foi formado. O seu ministério ampliou o conceito de fé pública. Jesus interpretou aqueles princípios veterotestamentários de um ponto de vista universal, não mais do ponto de vista de uma nação.

No entanto, a igreja também é uma instituição sócio-cultural. A igreja é uma instituição cultural porque ela molda a cultura e também é moldada por ela, e aqui não há nenhum sentido negativo ou pecaminoso. Ela estabelece, por exemplo, forma de pensar, forma de ver o mundo. Mas, também, sofre influência cultural à medida que se adapta ao seu contexto sem que haja prejuízo à sua essência santa, e assim a igreja vai ganhando características locais. Ela é uma instituição social porque é formada por pessoas que se relacionam entre si. A origem da igreja remonta a este princípio. Jesus, um filho de carpinteiro, escolheu doze homens oriundos de diversos contextos sociais. Havia entre os doze; pescadores e cobrador de impostos; guerrilheiro (zelotes) e pacifista; rico e pobre.

Jesus ousou colocar num mesmo grupo membros de grupos que não se misturavam (Gl 3.28). No tempo de Jesus os estratos sociais eram muito bem definidos. Fariseus não se misturavam com Saduceus. Gente do povo não se misturava com publicanos. Helenistas não se misturavam com Zelotes. Livres não se misturavam com escravos. Homens não se misturavam com mulheres. Crianças não se misturavam com adultos. Judeus não se misturavam com gentios.
Assim, entendemos que esta instituição chamada igreja é um organismo que tem como princípio unificador desta diversidade sócio-cultural o próprio Cristo. Igreja é uma colcha de retalhos na qual o fio que une os muitos pedaços de tecidos, dos mais variados tamanhos e cores, é Jesus. O texto de Atos deixa clara esta realidade.

A igreja é um corpo formado por membros distintos. Igreja é assembleia, congregação, ajuntamento, povo, associação, reunião. Tudo isso pode ser entendido como sinônimo de ekklesia. Assim como um retalho não é uma colcha, uma pessoa não é uma igreja. Um retalho é parte de uma colcha. Uma pessoa é parte (membro) da igreja. Um retalho pode dar um sinal do que é uma colcha de retalhos, mas não mostra toda a beleza da colcha de retalhos. Um membro pode dar um sinal do que é igreja, mas ele sozinho não experimenta a beleza igreja. A unidade da igreja é mantida pela disposição de cada membro de perseverar unânime. Literalmente, com uma só mente; um só pensamento; uma só visão. Para se perseverar em unanimidade é preciso estar disposto a viver a mutualidade.

Não há como viver em sociedade sem exercitar a mutualidade. Mutualidade é uma interação de pessoas diferentes onde todos se beneficiam reciprocamente. A biologia chama isso de simbiose (vida junta), um movimento solidário de troca que promove interajuda. Mutualidade é essencial para o desenvolvimento deste organismo vivo chamado igreja. Quem não deseja viver um ambiente no qual há mútua proteção e mútuo crescimento? A proposta de vida comunitária é o grande anseio das pessoas em nossos dias. Se alguém inventou algo melhor do que a igreja; algo que possibilite segurança, bem-aventurança, amadurecimento, cuidado e vida eterna; deve ter escondido muito bem! Não há nada melhor e mais completo para as carências humanas do que a vida de igreja. Jesus deu o mais completo sentido do que é igreja. Igreja é uma comunidade na qual a fé, as posses e a adoração se tornam públicas (comum), não mais exclusivamente familiar ou privada.

Contudo, precisamos relembrar que a mutualidade possui duas facetas. A primeira destas facetas é a mutilação. É preciso entender que não há mutualidade sem mutilação, ou seja, viver mutualidade tem seu preço, requer um certo grau de cortes em nós mesmos (v.45). Não é sem preço que vivemos a mutualidade. Não é sem custos que perseveramos unânimes. Para vivermos a mutualidade precisamos experimentar, muitas vezes, a mutilação. A mutualidade não se sustenta em gostos e sentimentos pessoais, mas, no bem comum.

A mutualidade não anula a minha particularidade. Unanimidade não é uniformidade. Mas viver em comunidade implica em que devemos aprender abrir mão de tudo aquilo que seja contrário à vontade do todo. Era este o exercício diário dos cristãos na igreja primitiva. Eles estavam aprendendo a abrir mão não só dos seus bens, mas, também, dos seus preconceitos sociais e religiosos. Abrir mão das suas vontades e abrir mão do pecado.

A segundo faceta da mutualidade é o aprendizado. Neste relacionamento cada um considerava ser possível aprender algo com o outro, por mais diferente que seja ele. Ninguém tinha o coração bloqueado para o outro (v.46). Como foi dito anteriormente, a mutualidade requer cortes. A união destes recortes permite a composição do todo. Esta composição proporciona o estabelecimento de uma rede de troca e aprendizado. Se por um lado a mutualidade nos ensina a perder, por outro, nos proporciona ganhos. A vivência com o diferente, o estranho, o exótico, é um campo para florescimento do conhecimento e, consequentemente, proporciona grandes aprendizados. A vivência com o outro forja caráter, personalidade, emoções e fé.

Em tempos de isolamento, onde as pessoas vivem sozinhas no meio da multidão, a mutualidade oferecida pela igreja é o caminho para a redescoberta do homem e a revalorização do seu ser. Viver a mutualidade é uma experiência terapêutica que nos ensina a perder e a ganhar. É uma vivência que forja caráter, emoções e fé.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

GENTE DE CARNE E OSSO




Não sou muito atraído por certas declarações supostamente bíblicas que dizem que não podemos sofrer, ou que o sofrimento é bom. Não vejo nas páginas das Escrituras nada que me faça entender que a fé cristã é um anestésico contra dores. Nem mesmo Jesus foi entorpecido diante da dor. Vemos inúmeras vezes a expressão da sua dor diante do sofrimento alheio e até mesmo diante do seu próprio sofrimento. Jesus lamentou ao ver pessoas de corações duros que resistiam ao evangelho. Ele chorou diante da morte do seu amigo Lázaro e diante da sua própria morte lamentou e disse que se possível aquele sofrimento passasse.

Acho que o tipo de fé que ensina sorrir enquanto o calo está apertando é uma fé para super-heróis. Nunca chegarei ao nível destes homens e mulheres muito “bons” e “fortes” que com uma só palavra conseguem dominar a dor de um câncer, de uma depressão ou da morte de alguém muito querido. Eu me sinto um nada diante de certos testemunhos. Acho que nunca vou ver o meu nome no hall da fama dos grandes e poderosos “homens e mulheres de Deus! Acho que jamais serei lembrado pelas pessoas.

Tenho aprendido com os santos homens e mulheres de Deus que o sofrimento faz parte da vida humana. Tenho visto que gente infinitamente mais santa que eu, gente da qual a terra não é digna, sofre, gemeu, lamentou, queixou-se, mas sempre tinha nos corações uma firme esperança. Homens e mulheres de carne e osso que podiam dizer mesmo em meio aosofrimento: “Bendirei o SENHOR em todo tempo, o seu louvor estará sempre nos meus lábios” (Sl 34.1).

Não querer encarar a dor é uma fuga da realidade. Fingir que não está doendo é uma tentativa de enganar a si mesmo. Por outro lado, exaltar o sofrimento é loucura, é irracional. A dor, o sofrimento e a morte não devem ser louvados. Eles nunca fizeram parte do plano inicial de Deus. Louvar a Deus na dor, pelo contrário, é reconhecer que Ele cuida de mim enquanto a dor está ali. É acreditar que mesmo no sofrimento podemos aprender mais d’Ele e com Ele. Bonito é ver gente de carne e osso que não esconde a sua dor do SENHOR e que não permite que ela anule a sua fé.

Em Cristo Jesus
Emerson  Profírio

terça-feira, 8 de outubro de 2013

SEIS BILHÕES



Vivemos num mundo com mais de seis bilhões de habitantes. É muita gente! Brancos, negros, amarelos e vermelhos. Uma verdadeira aquarela com os mais variados costumes e gostos. Cada povo tem o seu modo próprio de ver o mundo e a sua maneira própria de reagir a tanta variedade. Uns se mostram mais receptivos ao diferente e outros, mais reticentes. São muitos conceitos e opções que separam cada um dos mais de seis bilhões de habitantes.

Diante de tanta diversidade, seria quase impossível olhar para o outro como um semelhante. Semelhante em que, se há tanta diferença?! Mesmo convivendo com um círculo de relacionamento muitas e muitas vezes inferior aos seis bilhões de habitantes, nunca consegui encontrar alguém parecido comigo. Nem mesmo nos meus pais e irmãos consigo ver certas características que só vejo em mim. Nem na minha esposa, alguém que escolhi, encontro tal semelhança. As minhas filhas, que carregam parte de mim, não são e não serão  iguaizinhas a mim.

Então, quem é o meu próximo entre mais de seis bilhões de pessoas? Jesus respondeu a esta pergunta. O meu semelhante não é aquele que gosta das mesmas coisas que gosto. Não é aquele que pensa como eu penso. Não é aquele com quem tenho afinidade. Não é aquele que crê do mesmo jeito que creio. Não é aquele que tem a mesma opção que a minha. O meu próximo é alguém que, mesmo sendo totalmente diferente de mim, carrega em si a imagem e semelhança de Deus. É aquele que é obra-prima das mãos do Criador.

O  meu próximo é o estranho, o diferente, o exótico, o homem, a mulher, a criança, o idoso, o religioso, o ateu, o casto, o devasso... O meu próximo é aquele que, apesar das inúmeras diferenças, tem no seu íntimo a semente da divindade. É aquele a quem eu devo amar apesar das diferenças, porque o amor transcende conceitos religiosos e opções pessoais. Assim, Jesus concluiu: "Vá e faça isso".

Em Cristo Jesus


Pr. Emerson Profírio

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A VIDA SERIA MAIS SIMPLES...



Para a maioria dos cristãos, a concepção que se tem do homem é dicotomizada. Ele é visto com duas agendas bem distintas. De um lado as coisas sublimes, aquilo que diz respeito ao espírito. Do outro, as coisas do carne. Assim, aos domingos, alimentamos o espírito. Vamos à igreja e cumprimos os nossos deveres religiosos. Nos outros seis dias da semana nos ocupamos com as coisas seculares, tudo aquilo que nos suga. E assim vivemos dia após dia, semana após semana, mês após mês, ano após ano. Vivemos duas vidas em uma. Isso é esquizofrênico! Quem agüenta?!

Bom seria se entendêssemos que o homem é uma unidade. Se fôssemos à igreja para buscar a Deus e o encontrássemos na Palavra, nas músicas, nas orações, mas, também, nos braços de um amigo ou numa bela gargalhada. Se percebêssemos Deus no testemunho de um irmão, enquanto batemos um belo papo. Bom seria começar uma dura semana de trabalho entendendo que os meus colegas são instrumentos de Deus para aprimorar o meu caráter. Chegar na sala de aula e vê cada colega como alguém que posso abençoar com meu amor e companheirismo. Sair pelas ruas e viver o mundo como espaço para exercício da minha fé e espiritualidade.

A vida seria mais simples e fácil se vivêssemos uma só vida. Se cuidássemos do nosso espírito e do nosso corpo com a mesma intensidade. Se orássemos mais, se lêssemos mais a Bíblia (e outros livros), se cantássemos mais, se ríssemos mais, se fizéssemos mais atividade física, se comêssemos com mais qualidade, se levássemos menos a sério as más palavras e valorizássemos mais as boas palavras. A vida seria mais simples e fácil se lembrássemos que Deus não é encontrado só aos domingos na igreja, mas, em qualquer lugar e a qualquer hora. Aliás, seria mais simples e fácil se lembrássemos que Ele está dentro de nós.

"Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo? Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo" (1 Co 6.19,20)

Em Cristo Jesus
Emerson Profírio

QUEIXE-SE DE SI MESMO



"Queixe-se cada um dos seus próprios pecados" (Lm 3.39)



Alguém já disse que à medida que lançamos luz sobre as falhas alheias ofuscamos as nossas próprias falhas. É bem mais fácil e menos dolorido (para alguns, até prazeroso!) examinar a vida do outro do que examinar a própria vida. Temos a tendência de supervalorizar no outro aquilo que nos incomoda e minimizar em nós aquilo que pode não ser tão agradável.

Faça um teste: Hoje, quantas vezes você se queixou de alguém? E quantas vezes você se queixou de alguma atitude sua? Queixar-se de si mesmo não é fácil, pois implica num olhar interno. E examinarmos a nós mesmos pode mostrar alguém a quem não queremos encarar. Quem sabe nos veremos tão defeituosos quanto aqueles a quem julgamos defeituosos. Nos veremos orgulhosos, vaidosos, arrogantes, preguiçosos, inconvenientes, mentirosos, ressentidos, carnais, parciais, impuros, idólatras...

Quando os nossos olhos estão primeiramente voltados para dentro de nós mesmos, enxergamos todas as nossas imperfeições e nos igualamos ao nosso próximo.  Reconhecemos, assim, que ele é nosso semelhante nas virtudes e nas fraquezas. Estamos unidos em nossa luta pela existência neste mundo de dores. Portanto, antes de nos queixarmos de alguém, queixe-mo-nos de nossos próprios pecados.


Em Cristo Jesus
Emerson Profírio

SEMEIE SEMPRE


"Quem observa o vento nunca semeará, e o que olha para as nuvens nunca segará. Semeia pela manhã a tua semente e à tarde não repouses a mão, porque não sabes qual prosperará; se esta, se aquela ou se ambas igualmente serão boas” (Eclesiastes 11.4,6)



Semear é uma tarefa árdua. O lavrador levanta cedo. Antes do sol nascer ele já está de pé. Toma o seu café, prepara a sua “bóia” e pega a sua enxada. Com o dia ainda escuro começa a sua lida. Capina, revolve a terra, prepara o solo e sai a semear. Cada grão que cai no chão semeia a esperança de que no dia certo a colheita será farta. Ele crê que cada semente produzirá o seu respectivo fruto. Assim é a vida do homem do campo, cada dia é dia de semear. Esteja o tempo favorável ou não, ele lança a semente sobre terra.



A insegurança e o medo matariam de fome este homem. São mais áridas do que a pior das secas. Insegurança e medo são marcas dos nossos dias. As pessoas vivem assustadas! Muita gente não tem visto as suas sementes frutificarem porque o tempo foi duro demais com elas. Olharam para o céu e não viram as nuvens se formarem. Com medo e inseguras, não se lançaram à lida. Ficaram esperando a chuva, e enquanto ela não veio, não semearam. Quando a chuva chegou, era tarde demais para semear.



Podemos aprender muito com o lavrador. Cada dia nos são dadas inúmeras oportunidades de semear. Lançar ao chão um sonho depois de já termos preparado o solo. Semear alegria em meio à tristeza, alívio em meio à dor. Semear reconciliação e paz no duro solo do ressentimento e da mágoa. Semear salvação ao que está longe. Semear, semear, semear... Semear sementes variadas mesmo que o tempo não seja favorável.



A nós, cabe uma única coisa, semear. Não temos controle sobre as circunstâncias, mas podemos controlar as nossas ações. Portanto, que hoje despertemos sem medo e insegurança a fim de lançarmos ao solo as sementes que estão em nossas mãos , crendo que, pela graça, elas frutificarão.

Em Cristo Jesus
Emerson Profírio

LEMBROU-SE O SENHOR (1Sm 1.19,20)




Ser esquecido, não ser notado, não ser percebido, é algo que gera um profundo senso de desvalor, de inutilidade. Não ser lembrado, ser desprezado, machuca os nossos corações. Não é fácil lidar com a indiferença de alguém. É difícil não se magoar nessas horas. Paul Tillich disse que o oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença. Porque no ódio ainda resta um sentimento, mesmo que seja negativo, já na indiferença há uma total ausência de sentimento. É como se a pessoa tivesse morta mesmo estando viva. Ser alvo da indiferença, do esquecimento, é algo que destroça o amor próprio. A vida passa a ser vivida sem graça. 

Era assim que Ana se sentia. O seu amor próprio, aquele senso de auto-valor, de utilidade, aquele sentimento de “ser necessário”, estava aos frangalhos. Ela se sentia uma inútil. Olhava para sua própria vida e se via como alguém que nada produziu. Ana se sentia uma mulher que não cumpriu o seu propósito mais básico, ser mãe. Eu imagino que ela olhava para trás e se perguntava: O que eu fiz de importante até agora?! O que eu produzi?! Já estou madura, e o que deixarei de útil nesta vida?! Este olhar a empurrava cada vez mais para baixo. Esta visão era como alguém cutucando uma ferida que teimava em não cicatrizar. 

Não ser mãe naqueles dias era uma desgraça que caia sobre a vida de uma mulher. Não gerar filhos era como uma autorização para que a vida tratasse aquele pessoa da pior forma. O adultério e o concubinato até se “justificavam” quando uma esposa não dava filhos ao seu marido. A sociedade olhava para aquela mulher como uma pecadora. Se ela não gerava filhos é porque havia sobre ela alguma maldição, assim pensavam as pessoas. Ela era vista como uma esposa que não cumpria o seu papel, pois naqueles dias a mulher nascia para ser mãe apenas. 

Ana vivia num ambiente nada favorável a ela. A situação em nada contribuía para levantar o seu moral, em nada contribuía para mostrar o seu potencial em outras áreas. Não havia prazer na vida. Este ambiente transformou Ana numa mulher de coração adoecido. Não bastasse a sua esterilidade biológica, Ana estava ficando emocionalmente estéril. As suas emoções não produziam boas sensações, bons sentimentos, bons pensamentos. 

Ela era alguém amargurada (“Com amargura de alma orou” v.10). A vida tinha para ela um sabor amargo, um tom triste, um toque áspero. Queixas, lamentos, porquês eram coisas presentes na vida na sua vida. Ana era uma pessoa ansiosa e aflita (“Porque pelo excesso da minha ansiedade e da minha aflição é que tenho falado até agora” v. 16). Alguém já disse que “culpa é um peso que carregamos do passado e ansiedade é um peso que carregamos do futuro”. Era exatamente assim que Ana vivia, carregando um peso. 

O seu coração era aflito. Ela era uma mulher atribulada de espírito. Pensamentos recorrentes e medos são coisas presentes na vida de uma pessoa ansiosa. Ana havia desenvolvido uma hipersensibilidade (“Sua rival a provocava excessivamente para a irritar. E todas as vezes que Ana subia a casa do SENHOR a outra a irritava” v. 6,7). Os seus nervos estavam “à flor da pele”. Ela já não tinha defesa emocional, já não havia um filtro psicológico. Tudo que vinha era lido contra ela. O resultado era irritação, choro, falta de apetite e fragilidade. Ana desenvolveu também uma baixa auto-estima (“Se de mim te lembrares, e de tua serva te não esqueceres” v. 11). Quando ela olhava para si mesma a visão que tinha era de alguém esquecida. Na sua perspectiva, Penina era melhor que ela. Ela era a pior esposa. No seu entendimento, até Deus havia se esquecido dela. 

É possível que nos identifiquemos com Ana por uma ou outra situação. É possível que estejamos dizendo para nós mesmo: Eu sei o que é isso! O que Ana viveu é algo que muitos de nós já vivemos ou estamos vivendo. Quem sabe os nossos corações estão feridos e adoecidos como o coração de Ana. A amargura tomou a nossa vida. As pessoas nos vêem rindo, mas por dentro o nosso coração está amargo, triste. A ansiedade tem sido a nossa conselheira. Ela tem nos feito pensar coisas que não deveríamos pensar. Tem nos tirado o sono. Tem nos perturbado o coração. A nossa alma está aflita. 

É possível que só o travesseiro saiba o quanto temos chorado às noites. Estamos hipersensíveis. Qualquer coisa mexe com as nossas emoções. Estamos irritados, temos ferido pessoas a quem amamos. Temos perdido o convívio das pessoas. Quem sabe nos identificamos com Ana por olharmos a nossa vida e não termos nela prazer. Sentimo-nos inúteis. Olhamos para trás e perguntamos: O que produzimos até aqui?! 

Olhamos para dentro de nós mesmos e teimamos em reconhecer o quão doentes estão os nossos corações. Assim como Ana, precisamos ser lembrados pelo SENHOR (v.19). Muitas vezes a solidão é tão grande, a incompreensão é tão gritante, que chegamos a pensar que o próprio Deus se esqueceu de nós. Só Ana sabia o tamanho da sua dor. Nem a sociedade, nem o sacerdote, nem mesmo o seu marido, que a amava, compreendiam o porquê daquele sofrimento (v.8). Nestas horas nada substitui o anseio do coração. Só nós sabemos o valor que tem um desejo, um sonho. A única coisa que supriria o vazio daquele coração era um filho (v. 5). 

Assim, Ana derramou a sua alma perante o SENHOR. E com todos os seus sentimentos orou a Deus e chorou diante do altar. Ana foi clara, não escondeu nada, nem os sentimentos nem o desejo. Ela disse: “SENHOR DOS Exércitos, se benignamente atentares para a aflição de tua serva, e de mim te lembrares, e de tua serva te não esqueceres, e lhe deres um filho varão, ao SENHOR darei por todos os dias da sua vida” (v. 11). E diz a Bíblia: “Lembrou-se dela o SENHOR, ela concebeu e, passado o devido tempo, teve um filho, a que chamou Samuel, pois dizia: Do SENHOR o pedi” v. 19,20. 

Meu querido, Deus está atento a cada sentimento que trazemos no coração. Nada está oculto aos Seus olhos. Por mais que estejamos nos sentido sozinhos, esquecidos por todos, o SENHOR se lembrará de nós. No devido tempo Ele agirá. Agora resta-nos pedir que ele cure as nossas emoções e manifeste o Seu poder nas nossas vidas. Resta-nos entregar de todo coração os nossos anseios ao ETERNO crendo que Ele se lembrará de nós. “Assim, a mulher se foi seu caminho e comeu, e o seu semblante já não era triste”. 

Em Cristo Jesus

Emerson Profírio 

ENFRENTE A DOR COM DIGNIDADE (Pv 31.6,7)



Qualquer um que hoje liga o seu televisor é doutrinado pelos telepregadores de plantão acerca de um "evangelho" que não admite uma ação ordinário da providência divina. Um "evangelho" que espiritualizou tudo e que não admite outra ação divina que não seja o milagre. À luz deste provérbio, vamos esclarecer a diferença entre milagre e providência, duas esferas da ação divina. O milagre é um ato extraordinário da ação divina. É quando Deus age sem a mediação de nada, quando suspende as leis naturais e intervém na história de uma pessoa. A providência é quando Deus age através da mediação de leis naturais que já fazem parte da história humana. É quando Deus, no curso natural das coisas, está trabalhando. Por exemplo, quem nos dá o alimento? Deus. Como? Ordinariamente através do trabalho. Contudo, quer seja com milagre quer seja com providência a fonte de todo bem é Deus (Tg 1.17).

É nesta linha que o provérbio deve ser entendido. Ele foi proferido pela mãe do rei Lemuel de Massá, alguém de quem pouco sabemos. Fala sobre como lidar com a enfermidade. É uma instrução dada a fim de que o rei zele pela dignidade daquelas pessoas que estão enfermas. Nesta linha vemos o rei Lemuel como um instrumento da providência divina em favor dos enfermos. Nós precisamos entender que o fato de sermos cristãos não faz de nós seres com superpoderes, não faz de nós pessoas em quem a dor não exerce a sua força. O sofrimento, a enfermidade e a dor fazem parte da nossa frágil humanidade. A dor nos lembra que somos finitos e que estamos vivendo num estado caído e provisório no qual somos sustentados tão somente pela graça divina.

O sofrimento ainda não foi totalmente extirpado porque a história humana ainda não foi consumada. A presente existência é ainda um mundo de dores. A existência neste mundo seria insuportável se não fosse a providência divina.  Muitas vezes vimos Deus operar por meio dela. Vimos Deus agir através recursos acessíveis aos homens para conceder-lhes alívio às suas dores. O SENHOR fez uso de uma pasta de figos para curar a úlcera do rei Ezequias (2Re 20.7). Paulo recomendava a Timóteo que tomasse um pouco de vinho por causas das suas enfermidades (1Tm 5.23). Davi tocava harpa para acalmar Saul (1Sm 16.16). Da mesma forma você e eu devemos nos ver como instrumentos de Deus para alívio da dor do nosso próximo. Somos instrumentos da providência divina para levarmos dignidade ao que padece.

Assim, primeiramente, é preciso aliviar a dor de quem sofre. A dor pode tirar qualquer pessoa do seu estado de lucidez. Quer seja uma dor física ou emocional, ela pode desequilibrar qualquer pessoa. Quantas vezes nos surpreendemos com atitudes de pessoas que conhecemos que num momento de dor agem como quem está fora de si?! Portanto, quem quer ser agente da providência divina não pode desprezar a dor alheia por menor que seja ela. Há coisas que são urgentes e que precisam ser imediatamente atendidas. Não dá pra deixar quem sofre esperando (Tg 2.15,16). Oração faz bem, mas ação também. Providenciar um meio pelo qual a pessoa que sofre possa ter a sua dor aliviada é tão divino quanto uma oração fervorosa.

Em segundo lugar, não podemos exaltar a dor. Ainda que saibamos que nada ocorre por acaso, não podemos pensar que Deus está no céu jogando Xadrez e que os homens são as peças e o mundo o tabuleiro. Como se o SENHOR estivesse no trono apontando o dedo para os homens e mandando sofrimentos que redundem na Sua glória. Não podemos pensar que Deus vê a dor do homem com prazer. Os sofrimentos ocorrem por vários motivos, alguns dos quais são misteriosos, mas a maioria são conhecidos. Sofremos como consequência das nossas escolhas, sofremos por um estilo de vida corrido e doentio, sofremos como resultado das ações de homens maus, sofremos por causa do pecado. Dor é dor, dói! Se dói, não podemos fingir que ela não está ali, mas, também, não podemos exaltá-la como se fosse algo prazeroso. Jesus chorou diante da dor da morte do seu amigo Lázaro (Jo 11.35) e também chorou com a sua própria dor (Lc 22.44).

Por fim, devemos usar todos os recursos possíveis para curar. Não fazer uso o máximo possível dos recursos da providência para melhorar a minha saúde ou para curar é recusar o cuidado divino. Isto sim é pecado! Jesus disse: “eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10.10). Esta vida começa aqui na terra e somos co-responsáveis pela sua manutenção. O nosso corpo é tão importante para Deus quanto a nossa alma. O corpo é a habitação do nosso ser. Deve ser tratado com toda dignidade e zelo. Paulo disse: “Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque o santuário de Deus, que sois vós, é sagrado” (1Co 3.17). Se cuidássemos do nosso corpo com o mesmo fervor com que oramos pela cura, estaríamos vivendo melhor. É preciso também entender que Deus deu inteligência aos homens para desenvolverem as técnicas, os medicamentos, os aparelhos, as terapias, e isso ele fez para nós. Podemos e devemos fazer uso de todos os recursos que melhorem as nossas vidas.

Esta visão da vida nos leva a olhar para um Deus relacional, que, ao mesmo tempo em que transcende a criação, é imanente. É um Deus de longe e de perto. Um Deus de milagre e providência. Ele é o Emanuel, que usa pessoas e recursos para se mostrar presente e cotidiano. Assim, que você e eu sejamos as mãos, os pés, os olhos e a boca desse Deus na vida daquele que sofre.

Em Cristo Jesus
Emerson Profírio

ESQUECER



Como é bom esquecer... Imagine se a nossa memória guardasse exatamente cada momento das nossas vidas. Se pudéssemos lembrar em detalhes de cada dia vivido. As lembranças estariam vivas e sempre atuais. O passado nunca seria passado, seria um eterno presente.

Se a vida fosse feita apenas de bons momentos, seria até bom não esquecer. Mas, como os maus momentos também fazem parte da nossa história, o esquecimento é um mecanismo de autoproteção. A natureza se encarrega de apagar muitas coisas ruins pelas quais passamos, ou, pelo menos, de arrefecer o calor das memórias doloridas.

Precisamos exercitar sempre este mecanismo. Esquecer, deixar pra trás, passar por cima, não reviver momentos, palavras, olhares e gestos doloridos. Os traumas devem ser sepultados no mar do esquecimento. Pra que sofrer de novo?! É preciso saber esquecer. Um coração curado sabe o que esquecer. O apóstolo Paulo afirmou que "o amor não se ressente do mal" (1Co 13.5).

Guardemos na memória cheiros, cores, sons, palavras, olhares, toques, imagens, tudo que alegra a alma e aformoseia o rosto. Que a nossa memória seja rica de boas lembranças e que elas possam ser revividas sempre. Que os bons momentos sejam estímulos para buscarmos sempre novas e boas memórias.

Em Cristo Jesus
Emerson Profírio

UMA VIDA EQUILIBRADA (Mateus 18.19,20)



A fé cristã e mais do que mera credulidade. Ela é estilo de vida, um distintivo que marca um povo. É uma proposta de vida que tem como modelo o próprio Jesus. A fé cristã é um convite a uma vida diferente. O mundo, mais do que nunca, tem a necessidade de ouvir e viver esta fé.  As pessoas têm vivido cada vez mais sozinhas e em desequilíbrio consigo mesmas, com o outro e com Deus. O estilo de vida dos nossos dias é cada vez mais solitário e individualista. Esta solidão produz uma geração frágil emocional e espiritualmente. Produz um povo que vive com medo. As pessoas são doutrinadas a não confiarem nos outros, a terem medo do estranho. Assim, vivem fechadas nas suas casas e fechadas em si mesmas.

Os versos que lemos (muitas vezes citados num contexto de oração e culto apenas) foram falados por Jesus e fazem parte de um contexto maior que trata sobre as relações entre as pessoas: Jesus ensina que a humildade deve ser a postura de cada um de nós nos nossos relacionamentos (“Portanto, aquele que se humilhar como esta criança, esse é o maior no reino dos céus” v.4). Fala que devemos viver de modo que as nossas atitudes não façam o nosso próximo tropeçar (“Qualquer, porém, que fizer tropeçar a um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fora que se pendurasse ao pescoço uma grande pedra de moinho, e fosse afogado na profundeza do mar” v. 6). Ele continua ensinando que as pessoas são valiosas, por isso não podem ser desprezadas. Assim, ele apresenta Deus como um pastor que cuida das suas ovelhas (“Que vos parece? Se um homem tiver cem ovelhas, e uma delas se extraviar, não deixará ele nos montes as noventa e nove, indo procurar a que se extraviou?” v. 12).

O que vivemos hoje é justamente o oposto deste ensino. Os homens não vivem mais para os outros. Eles são arrogantes e vaidosos. Agem sem pensar que as consequências das suas atitudes podem afetar os mais fracos. A vida do outro não vale mais nada, “o que importa é a minha vontade e a minha satisfação pessoal”, é assim pensam. Como sobreviver a este ritmo de vida sem adoecer? Como suportar esta sociedade individualista sem surtar? Onde buscar o equilíbrio para as nossas vidas num mundo desequilibrado?  Jesus responde esta questão! É preciso viver a fé cristã em todas as suas dimensões. Jesus disse: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância (Jo 10.10). Vida em abundância, plena, satisfeita, completa em todos os sentidos. A fé cristã é uma proposta de vida que vê o homem integralmente. Não é uma fé apenas para as quatro paredes da igreja (edifício). Também não é uma fé apenas para causar sensações. A fé cristã responde ao desequilíbrio da humanidade.

Ela possui duas dimensões. A primeira delas é a DIMENSÃO VERTICAL (“qualquer coisa que, porventura, pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai que está nos céus”). Notem que aqui há uma relação do homem com Deus. Esta é a dimensão subjetiva da fé. É subjetiva porque diz respeito ao sujeito (indivíduo). Ela nasce de uma convicção pessoal em relação a Deus. Ela envolve a razão (crer) e a emoção (sentir) da pessoa. Esta dimensão pessoal da fé vem de Deus e leva o homem a conhecer a si mesmo. Calvino dizia que o homem só conhece a si mesmo verdadeiramente quando conhece a Deus. Deste conhecimento nasce um senso de dependência. É o que João chama de “a divina semente”: “Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática de pecado; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus” (1Jo 3.9). Esta é a dimensão da fé que nos liga ao ETERNO.

Essa dimensão vertical da fé nos leva a querer as coisas de Deus, a buscar as coisas do alto. Ela produz um choque existencial entre Deus e o mal que habita em nós. Ela nos faz reconhecer os nossos pecados, fraquezas, imperfeições, medos e traumas. Esta é a dimensão da fé que nos cura. Contudo, para que o processo de equilíbrio se desenvolva nas nossas vidas, é necessário que a nossa fé seja exercitada, pois se a fé fosse apenas uma experiência pessoal ela não seria provada e não amadureceria. Aqui entra a segundo dimensão da fé, a DIMENSÃO HORIZONTAL (“Em verdade também vos digo que, se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem [...]. Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles”).

Notem que agora a relação não é com os céus, é uma relação terrena. É uma relação com o nosso semelhante. A fé cristã para ser completa deve ser também horizontal, ou seja, deve ganhar uma dimensão coletiva. Ela não pode ser apenas pessoal porque o homem não é apenas um ser pessoal, mas é também um ser coletivo. Faz parte da essência humana o desejo pela coletividade. Isto é marca da divindade em nós. Deus nos criou à sua imagem e semelhança, assim, transmitiu para nós o desejo de viver em comunidade. A primeira comunidade existente, a Santíssima Trindade, foi o modelo para a nossa criação. É por isso que Adão, sendo um homem fisicamente completo, não era nem espiritualmente nem emocionalmente completo até que Deus criasse Eva.

Deus já se relacionava com ele antes da criação de Eva, mas mesmo assim Adão não tinha uma vida plena e abundante. Ele sentia que faltava algo. É por isso que Jesus nos ensina que ele se faz presente onde estiverem dois ou três reunidos em seu nome. O “concordar” é o mesmo que firma um acordo. É entrar numa relação de complementaridade com o outro e pedir a bênção de Deus. Para entrar em acordo com o nosso semelhante precisamos exercitar a nossa fé. Precisamos aprender a abrir mão das nossas vontades em favor da coletividade. Deus considera este acordo.

É na vivência comunitária que a fé floresce e frutifica. É na coletividade que desenvolvemos a vida abundante. É na vida em comunhão que vamos aprendendo a dar contornos concretos a nossa fé através do exercício dos dons, do anúncio do evangelho, da adoração coletiva e do perdão mútuo. Jesus está ensinando que ele se coloca à disposição para se encontrar com a comunidade reunida. A comunidade reunida é o corpo de Cristo. Ninguém é igreja sozinho. Igreja é um conceito coletivo. Jesus, sendo Deus eterno e infinito, submeteu-se ao tempo e ao espaço para se achegar ao homem carente. Ele encarnou e viveu vida comunitária com seus discípulos e lhes ensinou que para o homem viver equilibrado emocional e espiritualmente precisa viver também a dimensão horizontal da fé.

As pessoas estão doentes no corpo e na alma porque estão distantes deste modelo de vida apresentado por Jesus. O mundo individualista separou o homem do seu próximo, separou o homem de Deus e separou o homem de si mesmo. Criou-se um mundo compartimentado quando tudo deveria ser vivido em comunidade numa interrelação. Alguns decidiram viver uma espiritualidade sem conexão com o mundo. É a espiritualidade das orações, das músicas, dos mistérios, mas que parecem conduzir o homem a um mundo a parte. É a espiritualidade dos templos, da alienação. Outros decidiram viver uma espiritualidade pessoal. Dizem que não precisam da igreja, não precisam da vivência comunitária. Não precisam pastorear nem serem pastoreados. É a espiritualidade privada. Há ainda aqueles que desprezam a realidade espiritual e vivem como se a existência se resumisse apenas à matéria, ao aqui e agora.

O mundo está doente e precisa viver a fé cristã. A fé que nos liga a Deus e que nos liga ao próximo. A fé comunitária que nos faz experimentar a vida abundante que o Senhor nos ofereceu. As pessoas precisam ouvir que vida equilibrada só em Cristo. Nós precisamos viver esta proposta de vida se quisermos viver de forma equilibrada. Que o Senhor nos cure e nos ajude a viver uma fé genuína.

Em Cristo Jesus
Emerson Profírio

A MONTANHA-RUSSA, O FILME E A VIDA


A vida é um projeto fascinante, feliz quem vive intensamente cada momento por ela oferecido. Quem logo compreende que ela não é um carrossel, monótono e previsível, mas, uma montanha-russa, emocionante e cheia de surpresas, estará mais bem preparado para chegar ao fim feliz e pleno.

A vida tem um roteiro por demais criativo. Como num bom filme, cada cena está ligada a outra por um fio invisível que vai progressivamente sendo revelado sem, contudo, permitir que toda a nossa atenção seja perdida e a nossa curiosidade, satisfeita. Isto faz dela uma constante novidade.

A vida seria sem graça se passássemos por ela sem experimentarmos todas as sua cores, tons e sabores. Não haveria graça se não nos fossem dadas oportunidades de expressarmos todas as facetas das nossas emoções e criatividade. Como numa montanha-russa e num bom filme, na vida um momento nunca é igual ao outro. O sábio Salomão, num instante de divina inspiração, afirmou:

Nessa vida tudo tem sua hora; há um tempo certo pra tudo!
Há hora de nascer e hora de morrer,
Há hora de matar e hora de curar,
Há hora de destruir e hora de construir,
Há hora de chorar e hora de rir,
Há hora de lamentar e hora de se alegrar,
Há hora de fazer amor e hora de se abster,
Há hora de abraçar e hora de se afastar,
Há hora de ganhar e hora de contar as perdas,
Há hora de segurar e hora de largar,
Há hora de arrancar e hora de consertar,
Há hora de calar e hora de falar,
Há hora de amar e hora de odiar,
Há hora de iniciar a guerra e hora de fazer a paz.

Cada momento vivido, os bons e os maus, deve ser recebido como uma dádiva com a qual aprendemos mais sobre nós e sobre o Criador. Cada instante, os previsíveis e os imprevisíveis, deve ser tomado como uma oportunidade de amadurecimento na direção daquele que tudo arquitetou conforme o conselho da sua sabedoria. Assim, aprenderemos que na vida não há tempo perdido, mas, todo tempo é tempo oportuno para algo...

Emerson Profírio