domingo, 20 de outubro de 2013

MUTUALIDADE, UMA LIÇÃO DE PERDA E GANHO (Atos 2.44-46)



A igreja é uma instituição divina, porque tem como idealizador o próprio Deus. O modelo para o que chamamos de igreja cristã foi a nação de Israel. Nela, foram estabelecidos os princípios que norteariam as relações entre um grupo de pessoas e Deus, e entre as próprias pessoas dentro deste grupo. Até então quando se falava em culto, ou seja, na adoração a Deus, este culto era familiar. O pai era uma espécie de sacerdote. Com a formação da nação de Israel a relação homem-Deus ganha um caráter coletivo. Daí, Deus, através da Lei Mosaica, institui a religião judaica. Antes a religião era familiar, agora ela se torna coletiva. Era uma religião privada, agora passa a ser uma religião pública. Foi neste modelo de vivência coletiva da fé que Jesus foi formado. O seu ministério ampliou o conceito de fé pública. Jesus interpretou aqueles princípios veterotestamentários de um ponto de vista universal, não mais do ponto de vista de uma nação.

No entanto, a igreja também é uma instituição sócio-cultural. A igreja é uma instituição cultural porque ela molda a cultura e também é moldada por ela, e aqui não há nenhum sentido negativo ou pecaminoso. Ela estabelece, por exemplo, forma de pensar, forma de ver o mundo. Mas, também, sofre influência cultural à medida que se adapta ao seu contexto sem que haja prejuízo à sua essência santa, e assim a igreja vai ganhando características locais. Ela é uma instituição social porque é formada por pessoas que se relacionam entre si. A origem da igreja remonta a este princípio. Jesus, um filho de carpinteiro, escolheu doze homens oriundos de diversos contextos sociais. Havia entre os doze; pescadores e cobrador de impostos; guerrilheiro (zelotes) e pacifista; rico e pobre.

Jesus ousou colocar num mesmo grupo membros de grupos que não se misturavam (Gl 3.28). No tempo de Jesus os estratos sociais eram muito bem definidos. Fariseus não se misturavam com Saduceus. Gente do povo não se misturava com publicanos. Helenistas não se misturavam com Zelotes. Livres não se misturavam com escravos. Homens não se misturavam com mulheres. Crianças não se misturavam com adultos. Judeus não se misturavam com gentios.
Assim, entendemos que esta instituição chamada igreja é um organismo que tem como princípio unificador desta diversidade sócio-cultural o próprio Cristo. Igreja é uma colcha de retalhos na qual o fio que une os muitos pedaços de tecidos, dos mais variados tamanhos e cores, é Jesus. O texto de Atos deixa clara esta realidade.

A igreja é um corpo formado por membros distintos. Igreja é assembleia, congregação, ajuntamento, povo, associação, reunião. Tudo isso pode ser entendido como sinônimo de ekklesia. Assim como um retalho não é uma colcha, uma pessoa não é uma igreja. Um retalho é parte de uma colcha. Uma pessoa é parte (membro) da igreja. Um retalho pode dar um sinal do que é uma colcha de retalhos, mas não mostra toda a beleza da colcha de retalhos. Um membro pode dar um sinal do que é igreja, mas ele sozinho não experimenta a beleza igreja. A unidade da igreja é mantida pela disposição de cada membro de perseverar unânime. Literalmente, com uma só mente; um só pensamento; uma só visão. Para se perseverar em unanimidade é preciso estar disposto a viver a mutualidade.

Não há como viver em sociedade sem exercitar a mutualidade. Mutualidade é uma interação de pessoas diferentes onde todos se beneficiam reciprocamente. A biologia chama isso de simbiose (vida junta), um movimento solidário de troca que promove interajuda. Mutualidade é essencial para o desenvolvimento deste organismo vivo chamado igreja. Quem não deseja viver um ambiente no qual há mútua proteção e mútuo crescimento? A proposta de vida comunitária é o grande anseio das pessoas em nossos dias. Se alguém inventou algo melhor do que a igreja; algo que possibilite segurança, bem-aventurança, amadurecimento, cuidado e vida eterna; deve ter escondido muito bem! Não há nada melhor e mais completo para as carências humanas do que a vida de igreja. Jesus deu o mais completo sentido do que é igreja. Igreja é uma comunidade na qual a fé, as posses e a adoração se tornam públicas (comum), não mais exclusivamente familiar ou privada.

Contudo, precisamos relembrar que a mutualidade possui duas facetas. A primeira destas facetas é a mutilação. É preciso entender que não há mutualidade sem mutilação, ou seja, viver mutualidade tem seu preço, requer um certo grau de cortes em nós mesmos (v.45). Não é sem preço que vivemos a mutualidade. Não é sem custos que perseveramos unânimes. Para vivermos a mutualidade precisamos experimentar, muitas vezes, a mutilação. A mutualidade não se sustenta em gostos e sentimentos pessoais, mas, no bem comum.

A mutualidade não anula a minha particularidade. Unanimidade não é uniformidade. Mas viver em comunidade implica em que devemos aprender abrir mão de tudo aquilo que seja contrário à vontade do todo. Era este o exercício diário dos cristãos na igreja primitiva. Eles estavam aprendendo a abrir mão não só dos seus bens, mas, também, dos seus preconceitos sociais e religiosos. Abrir mão das suas vontades e abrir mão do pecado.

A segundo faceta da mutualidade é o aprendizado. Neste relacionamento cada um considerava ser possível aprender algo com o outro, por mais diferente que seja ele. Ninguém tinha o coração bloqueado para o outro (v.46). Como foi dito anteriormente, a mutualidade requer cortes. A união destes recortes permite a composição do todo. Esta composição proporciona o estabelecimento de uma rede de troca e aprendizado. Se por um lado a mutualidade nos ensina a perder, por outro, nos proporciona ganhos. A vivência com o diferente, o estranho, o exótico, é um campo para florescimento do conhecimento e, consequentemente, proporciona grandes aprendizados. A vivência com o outro forja caráter, personalidade, emoções e fé.

Em tempos de isolamento, onde as pessoas vivem sozinhas no meio da multidão, a mutualidade oferecida pela igreja é o caminho para a redescoberta do homem e a revalorização do seu ser. Viver a mutualidade é uma experiência terapêutica que nos ensina a perder e a ganhar. É uma vivência que forja caráter, emoções e fé.

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